Se há uma marca da contemporaneidade é a exposição dos conceitos
pré-concebidos à expiação pública. Já desde a modernidade proposta por
W. Benjamim (já faz 100 anos) se propunha que os tempos são de “tudo o
que é sólido se desmancha no ar”. Todas as instituições estão em crise,
sendo refletidas em suas funções fundamentais e reais necessidades. Não é
mais suficiente aos ouvidos e cérebros a resposta “porque sim”, o que
desconstrói boa parte do que há de estabelecido em nosso sistema
constituinte: escola, Estado, família, religião, o sentido da vida. Esse
modelo de revalidação das relações que temos com o mundo tem dois
planos possíveis de visão: O mundo está acabando – ou – O mundo está
começando.
No que diz respeito ao amor, aos relacionamentos que envolvem paixão, sexo, o núcleo substancial da instituição família (ao menos em ideal), a crise é evidenciada pela facilidade com que essas relações terminam, quando a tradição manda que sejam “até que a morte os separe”. Os clichês da atualidade são: a “família” faliu, “ninguém respeita mais o casamento”, “as pessoas não querem saber de compromisso”, “não existe mais amor como antigamente”. Se levarmos em consideração o carinho e afeto que o casal tem e mantém entre si durante a relação, tais verdades populares não têm o menor respaldo na realidade, na medida em que uma união que se faz duradoura por conta da obrigação, da pressão externa e não da decisão contínua dos envolvidos, só pode se configurar falsa e, ao longo do tempo, opressora, deteriorante. Não afirmo que todas as relações de antigamente foram contínuas por pressão e que, desgastadas, tornaram os envolvidos velhos amargos e infelizes, mas uma parcela considerável delas sim – talvez a mesma contabilidade das relações frustradas de hoje, que culminam em separação.
Pelo viés contrário, é possível defender a tese de que estamos vivendo tempos em que as relações duradouras o são, cada vez mais, por conta da permanente escolha, decisão voluntária e franca de continuidade por parte do casal. Ou seja, com a possibilidade crescente de se fazer o que quiser da vida, de acordo com a empobrecida pressão social pela relação monogâmica e duradoura, decidir pela continuidade não é mais um ato impensado, automático e inevitável, muito pelo contrário, é o encontro verdadeiro de uma relação que se quer ainda e mais e mais e por mais tempo, talvez até que a morte os separe, mas não por que o padre falou, pelo acaso da morte.
O mesmo se pode dizer da fidelidade. A dinâmica das relações amorosas da contemporaneidade é tão revolucionária e permissiva que é comum ouvir quem diga “É um desperdício” para uma união monogâmica. Contudo, justamente essa liberdade permite que se reflita com mais acuidade as escolhas individuais e faz com que a relação monogâmica se torne uma tara fantástica, não mais uma imposição. Deixando claro que fala-se aqui de um processo em curso, dada a relação com algumas décadas atrás e prevendo a continuidade dessa direção, ou seja, ainda sentimos ciúmes, queremos e exigimos fidelidade tradicional nos relacionamentos que estabelecemos, mas o território da franqueza está cada vez mais acessível. Assim, vem surgindo uma geração de casamentos, ou qualquer outro tipo de relação duradoura (nem o vínculo religioso é mais suficiente como conector sólido), cuja continuidade é fruto de um querer mútuo legítimo, diário.
Fique claro que não se trata de amores ideias, de novela, mas relações concretas, cotidianas. Não é uma aura de magia abençoada que unge os escolhidos, mas justamente a predisposição cada vez maior à franqueza que permite se fazer melhores escolhas, desde o começo, decisões mais maduras, casais cujas bases não foram estabelecidas por pressupostos externos e estereotipia, mas dentro de suas particularidades, descobertas em diálogos madrugada adentro, após o sexo, ou antes. Casais que escrevem com originalidade e história de suas relações, embora acabem, externamente, parecendo tão tradicionais quanto os mais românticos modelos da história. Em tempos extremos, quem sabe a face do “fim da família” não se revele a do “relacionamento perfeito”. Só insisto que, diferente do idealismo dos românticos, os atuais têm suas bases na escolha consciente e bem complexa da mesma pessoa o tempo todo. Nesse caso não se trata mais de fidelidade, mas de uma circunstância tão nova que ainda nem tenha nome que dê conta.
No que diz respeito ao amor, aos relacionamentos que envolvem paixão, sexo, o núcleo substancial da instituição família (ao menos em ideal), a crise é evidenciada pela facilidade com que essas relações terminam, quando a tradição manda que sejam “até que a morte os separe”. Os clichês da atualidade são: a “família” faliu, “ninguém respeita mais o casamento”, “as pessoas não querem saber de compromisso”, “não existe mais amor como antigamente”. Se levarmos em consideração o carinho e afeto que o casal tem e mantém entre si durante a relação, tais verdades populares não têm o menor respaldo na realidade, na medida em que uma união que se faz duradoura por conta da obrigação, da pressão externa e não da decisão contínua dos envolvidos, só pode se configurar falsa e, ao longo do tempo, opressora, deteriorante. Não afirmo que todas as relações de antigamente foram contínuas por pressão e que, desgastadas, tornaram os envolvidos velhos amargos e infelizes, mas uma parcela considerável delas sim – talvez a mesma contabilidade das relações frustradas de hoje, que culminam em separação.
Pelo viés contrário, é possível defender a tese de que estamos vivendo tempos em que as relações duradouras o são, cada vez mais, por conta da permanente escolha, decisão voluntária e franca de continuidade por parte do casal. Ou seja, com a possibilidade crescente de se fazer o que quiser da vida, de acordo com a empobrecida pressão social pela relação monogâmica e duradoura, decidir pela continuidade não é mais um ato impensado, automático e inevitável, muito pelo contrário, é o encontro verdadeiro de uma relação que se quer ainda e mais e mais e por mais tempo, talvez até que a morte os separe, mas não por que o padre falou, pelo acaso da morte.
O mesmo se pode dizer da fidelidade. A dinâmica das relações amorosas da contemporaneidade é tão revolucionária e permissiva que é comum ouvir quem diga “É um desperdício” para uma união monogâmica. Contudo, justamente essa liberdade permite que se reflita com mais acuidade as escolhas individuais e faz com que a relação monogâmica se torne uma tara fantástica, não mais uma imposição. Deixando claro que fala-se aqui de um processo em curso, dada a relação com algumas décadas atrás e prevendo a continuidade dessa direção, ou seja, ainda sentimos ciúmes, queremos e exigimos fidelidade tradicional nos relacionamentos que estabelecemos, mas o território da franqueza está cada vez mais acessível. Assim, vem surgindo uma geração de casamentos, ou qualquer outro tipo de relação duradoura (nem o vínculo religioso é mais suficiente como conector sólido), cuja continuidade é fruto de um querer mútuo legítimo, diário.
Fique claro que não se trata de amores ideias, de novela, mas relações concretas, cotidianas. Não é uma aura de magia abençoada que unge os escolhidos, mas justamente a predisposição cada vez maior à franqueza que permite se fazer melhores escolhas, desde o começo, decisões mais maduras, casais cujas bases não foram estabelecidas por pressupostos externos e estereotipia, mas dentro de suas particularidades, descobertas em diálogos madrugada adentro, após o sexo, ou antes. Casais que escrevem com originalidade e história de suas relações, embora acabem, externamente, parecendo tão tradicionais quanto os mais românticos modelos da história. Em tempos extremos, quem sabe a face do “fim da família” não se revele a do “relacionamento perfeito”. Só insisto que, diferente do idealismo dos românticos, os atuais têm suas bases na escolha consciente e bem complexa da mesma pessoa o tempo todo. Nesse caso não se trata mais de fidelidade, mas de uma circunstância tão nova que ainda nem tenha nome que dê conta.
Adriano Dias é um dos idealizadores do projeto, articulista e
mergulhador no "mar de signos" em busca de formas curiosas e relevantes
de cultura. Também leciona literatura, gramática e técnicas de redação
como profissão.
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