sexta-feira, 15 de maio de 2020

Eros e Psiquê - o Amor e a Alma

Psiquê era uma princesa filha do rei de Mileto, a mais nova de três irmãs. Era tão bela que a comparavam a Afrodite, deusa da beleza. Só que Afrodite não gostou da comparação e resolveu vingar-se pedindo a seu filho Eros que a atingisse com um dos seus dardos e a fizesse apaixonar-se pelo homem mais vil e cruel sobre a terra.
O jardim de Afrodite tinha duas fontes: uma de água doce e outra de água amarga. Para satisfazer o pedido da mãe, Eros encheu dois vasos de âmbar, cada um com o seu tipo de água e voou até ao quarto onde cândidamente Psiquê dormia. Inclinado sobre a jovem, deitou umas gotas da água amarga sobre os seus lábios e tocou-a de lado com a ponta de uma das suas setas. Ferida, Psiquê acordou e com o seu gesto sobressaltado fez com que o deus se espetasse com a sua própria seta. Ferido com o seu veneno, Eros derramou então gotas de água doce sobre os cabelos da jovem.
Foi a partir desse dia que os ,até aí ,inúmeros pretendentes se evaporaram. Solitária desde então, Psiquê chorava, revoltada com uma beleza que não despertava já nem admiração, nem amor, ou mesmo desejo.
Consultado pelos pais da jovem o oráculo de Apolo, em Delfos, este declarou que Psiquê não estava destinada a ser esposa de um mortal. Deveria subir ao ponto mais alto da montanha onde seria desposada por uma serpente alada que lá se encontrava à sua espera. Nada podendo contra o destino, os pais de Psiquê conduziram-na à montanha onde a abandonaram.
Sozinha, Psiquê tremia de desgosto e de medo, chorando perdidamente. Zéfiro, o deus da brisa suave do Sul, fê-la então adormecer. Quando acordou, a jovem princesa viu-se num palácio maravilhoso, acompanhada por muitas servas que a cuidavam. E sossegou um pouco das suas aflições.
Na noite seguinte, foi acordada por uma voz doce. Na escuridão, sentiu-se enlaçada por um corpo cuja pele e formas musculadas lhe pareceram de grande perfeição. Porém, ao acordar, o seu amante tinha-se ausentado. E este ritual manteve-se até à altura em que a jovem, intrigada, lhe pediu que a deixasse ver-lhe o rosto. Da escuridão, o amante respondia-lhe que no dia em que ela o visse ele seria obrigado a desaparecer e abandoná-la para sempre. Então a jovem resignou-se e era muito feliz até à altura em que, curiosas, as suas duas irmãs foram visitá-la. Invejaram a sumptuosidade em que a irmã mais nova vivia e criticaram-na muito quando souberam que nunca tinha visto o rosto do marido e futuro pai do seu filho e por quem a jovem confessava estar profundamente apaixonada. E até lhe disseram como saber o que queria: usando de astúcia.
Uma noite, conservou-se acordada para ouvir o amante chegar. E, quando este adormeceu, acendeu uma lamparina de azeite para o ver e ficou deslumbrada com a sua extrema beleza. Ao curvar-se para o beijar, enternecida, derramou uma gota de azeite quente sobre o seu ombro direito, o que o acordou. E o jovem exclamou, penalizado:
- Disse-te tanta vez que no dia em que visses o meu rosto eu teria que desaparecer!
Colocou então sobre os ombros a capa que o tornava invisível aos humanos e fugiu. Perseguido pela jovem princesa completamente desvairada, ainda lhe gritou que era Eros, o deus do Amor e filho de Afrodite.
Abandonada, caindo em si, Psiquê lamentou o que fizera e que pusera fim irremediável à sua felicidade.
Então, em desespero, resolveu pedir a Zéfiro que a levasse junto de Afrodite para lhe suplicar que tivesse compaixão do seu infortúnio, mas a deusa repeliu-a e condenou-a a vaguear pelo mundo. O sofrimento e a busca incessante do amante que sempre lhe fugia cansaram-na tanto que , disposta a enfrentar a morte, acabou por cair numa profunda sonolência.
Ainda que traído na sua confiança, Eros sofria por ver o sofrimento da esposa e implorou a Zeus, o senhor do Olimpo, que se compadecesse da infortunada. Então, com a permissão de Zeus, Eros despertou Psiquê do sono profundo em que caíra e arrebatou-a consigo para o Olimpo, a morada dos deuses. Zeus oficializou os esponsais dos dois amantes e ele próprio deu a ambrosia a Psiquê, tornando-a imortal.
É a partir daqui que Eros e Psiquê - o Amor e a Alma - enlaçarão eternamente os seus destinos. E é desta união que nascerá a Volúpia.

Fonte: Blog Um doce azul - ...desabafos

Não tenho tempo...


 Sabes, meu filho, até hoje não tive tempo para brincar contigo. Arranjei tempo para tudo, menos para te ver crescer. nunca joguei dominó contigo, damas xadrez, ou batalha naval. Eu percebo que tu me procuras, mas, sabes, meu filho, eu sou muito importante e não tenho tempo. Sou importante para números, convites sociais e toda uma série de compromissos inadiáveis. Como largar tudo isso para brincar contigo? Não, não tenho tempo.

Um dia trouxeste o teu caderno escolar para eu ver e ficaste ao meu lado. Lembras-te? Não te dei atenção e continuei a ler o jornal. Porque afinal... afinal os problemas internacionais são mais sérios do que os da minha casa. Nunca vi os teus livros, não conheço a tua professora. Nem me lembro qual foi a tua primeira palavra. Mas, tu sabes, eu não tenho tempo. De que adianta saber as mínimas coisas a teu respeito se eu tenho outras grandes coisas a fazer?

É incrível como tu cresceste! Estás tão alto! Nem tinha reparado nisso. Aliás, eu quase não reparo em nada. E, nesta vida agitada, quando tenho tempo, prefiro usá-lo lá fora, porque, aqui, fico calado diante da televisão.
Porquê? Porque a televisão é importante e informa-me muito.

Sabes, meu filho, a última vez que tive tempo para ti foi numa noite de amor com a tua mãe. Eu sei que tu te queixas, eu sei que tu sentes a falta duma palavra, duma pergunta amiga, duma brincadeia, dum chuto na tua bola. Mas eu não tenho tempo. Eu sei que sentes a falta de um abraço e de um sorriso, de um passeio a pé, de ir até ao quiosque, ao fundo da rua, comprar um jornal, uma revista. Mas sabes há quanto tempo eu não ando a pé na rua? não tenho tempo. Mas tu entendes: eu sou um homem importante. Tenho de dar atenção a muita gente, eu dependo delas. Meu filho, tu não entendes nada de comércio. Na realidade eu sou um homem sem tempo. E sei que tu ficas triste porque as poucas vezes que falamos é um monólogo - só eu é que falo.

Eu quero silêncio. Quero sossego e tu tens a péssima mania de querer brincar com a gente. Tens a mania de saltar para os braços dos outros. Filho! eu não tenho tempo para te abraçar. Não tenho tempo para conversas e brincadeiras de crianças.

Filho, o que é que tu percebes de computadores, comunicação, cibernética, racionalismo? Tu sabes quem é Descartes e Kant? Como é que eu vou parar para falar contigo? Sabes, filho, não tenho tempo. Mas o pior de tudo, o pior de tudo é que se tu morresses agora, já, neste instante, eu ficava com um peso na consciência. Porque, até hoje, até hoje não arranjei tempo para brincar contigo. E, na outra vida, Deus não terá tempo de me deixar, pelo menos, ver-te.

 Vitor de Sousa  

terça-feira, 5 de maio de 2020

Consciência

Quando tomamos consciência do que não recebemos de nossos pais, surge uma dor muito grande. É fácil cairmos na acusação, sentirmos rancor e os culparmos pelas dificuldades que enfrentamos na vida.

E é normal sentirmos tudo isso. É legítimo ficarmos tristes ou com raiva deles. Nossa criança interior finalmente está sendo escutada e acolhida quando validamos o que ela sentiu e permitimos que ela se expresse.

O problema é permanecermos neste lugar. Quando insistimos que temos motivos para estar magoados, nos vitimizamos. Ficamos remoendo nossas experiências dolorosas e esperando que nossos pais reparem o erro deles. Resistimos em reconhecer que eles fizeram o que podiam, o que estava ao alcance deles, de acordo com a consciência e a maturidade emocional deles na época.

Você conhece a história dos seus pais? Sabe como foi a infância deles, como era a relação deles com os pais? Sabe o que eles tiveram que enfrentar quando pequenos?

Muito provavelmente, se sua infância foi dura, a deles foi pior. Eles terem vindo antes de você e terem passado pelo que passaram poupou você de muita dor.

Você se cobra quando não consegue dar a seus filhos aquilo que você não recebeu? Se sente mal quando repete a mesma fala agressiva que escutou de seus pais?

Você percebe que o mesmo aconteceu com eles? Eles também estavam tentando dar o melhor de si. E também estavam falhando. E também estavam se cobrando e se sentindo mal quando falhavam.

Enquanto você seguir cobrando deles o que você não recebeu, vai continuar cobrando de si ser o pai ou a mãe perfeita para seus filhos. Ninguém merece essa cobrança. Somos humanos e aprendemos pelo erro. Vamos falhar e está tudo bem. Estamos todos aprendendo e em processo de crescimento e cada um está em um ponto de sua jornada. Você não é melhor que eles por ter mais consciência hoje que eles tiveram ontem.

Liberte seus pais, perdoe suas imperfeições. Tire o rótulo de pai e mãe deles e enxergue o homem e a mulher que eles foram. Eles também tiveram suas feridas e dificuldade para te oferecer o que não receberam. Tenha mais compaixão por eles.

Essa é a chave para conectar com o amor incondicional.

 Maíra Soares