sexta-feira, 5 de abril de 2024

 

                                                                            A flor

                                                                                                        Almada Negreiros

 

Pede-se a uma criança. Desenhe uma flor! Dá-se-lhe papel e lápis. A criança vai sentar-se no outro canto da sala onde não há mais ninguém.

               Passado algum tempo o papel está cheio de linhas. Umas numa direção, outras noutras; umas mais carregadas, outras mais leves; umas mais fáceis, outras mais custosas. A criança quis tanta força em certas linhas que o papel quase não resistiu.

               Outras eram tão dedicadas que apenas o peso do lápis já era demais.

               Depois a criança vem mostrar essas linhas às pessoas; Uma flor.

               As pessoas não acham parecidas estas linhas com as de uma flor!

               Contudo, a palavra flor andou por dentro da criança, da cabeça para o coração e do coração para a cabeça, à procura das linhas com que se faz uma flor, e a criança pôs no papel algumas dessas linhas, ou todas. Talvez as tivesse posto fora dos seus lugares, mas são aquelas as linhas com que Deus faz uma flor!

 

                                            Desenho da flor da criança Ilustração por ©so_decor #25820317 

Poema extraído do livro "Os cem melhores poemas portugueses dos últimos cem anos" - Selecção e organização de José Mário Silva - 2ª Edição. 

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